Uma noite, na rua Glória, frente a frente
com Rute. Ternura teve um susto. Rita, um sorriso. E ele perturbado:
-Noite clara, hein? Clara mesmo. Uma
beleza... Clara noite.
-Deve ser bonito lá em cima, não é?
-É. Deve ser Bonito
-Vamos lá?
-Vamos.
Já não bastava o encontro com Rita, ainda
havia o convite dela. Ternura mal acreditou no que viu e agora no que acabava
de ouvir. Era tudo maravilho, não apenas a noite.
Ao pé deles nascia uma das ladeiras para
Santa Teresa. Os dois começaram a subir.
-Me parece que uma vez, não faz muito tempo,
eu vi você, ou uma forma parecida com você atravessando o mercado. Foi de
madrugada. Era você, Rita?
-Eu mesma. Por que não me chamou?
-Ó Rita, eu não tinha voz para te chamar...
e meus olhos escureceram!
No alto, entre silhuetas de palmeiras,
surgiu um velho casarão.
- Parece um palácio abandonado.
-É uma velha mansão em ruínas. Eu moro
perto.
-As palmeiras se mexem.
-É a brisa do mar. O vigia me conhece. Foi
passar o sábado no subúrbio com a filha.
-Deve ser bom morar lá em cima...
-Eu sei onde ele esconde a chave.
E foram subindo, de mãos dadas.
Rita no terraço
Fazia calor. Rita começou a despir-se. De
repente, adormeceu. Ternura teve um sobressalto. Sozinho com ela. A subida fora
difícil. O velho edifício ficara mais branco ao luar.
Tirou-lhe o resto da roupa. Correu ao
patamar. Contemplou a cidade. Veículos miúdos, criaturas miudinhas se mexendo.
A vida lá embaixo não acaba.
Só, com ela! Quem subiria até ali aquela
hora da noite?
Começou a identificar os morros, os prédios;
as luzes das ilhas; as luzes de Niterói, opacas na fumaça. Manobras prévia à
degustação noturna de Rita.
Rita nua, atravessando em seu pensamento. Se
quisesse ver-lhe o corpo, bastaria olhar para o lado. Ali estava ele pertinho,
ao seu alcance da mão.
Em cima de um terraço, debaixo do céu! Sim,
bastava só olhar para o lado. Mas ele retardava o momento de tocá-la. E
prosseguia na inspeção da cidade.
Agora, o reconhecimento dos bairros. Tudo
com falso interesse, só para preencher com a imagem da mulher dormindo os espaço que devassava. Só
para distribuí-la pelos quarto cantos da cidade.
No cais, na sombra dos armazéns, no farol,
no morro da Gamboa, nos aclives de Santa Teresa, na constelação do Pão de
Açúcar, nos outros terraços, nos navios -Rita...Rita...Rita... sempre Rita.
Subitamente houve interrupção, apagou-se a
imagem, Ternura volta aflito à procura de Rita, a ver se era ela que estava
ali. Sim, ela ,mesma. Viva. Respirando...
Primeiro olhou para o conjunto. Recebeu um
choque. Depois sorriu esfregando as mãos. Deu voltas em redor do corpo, como um
índio em torno da fogueira. Teve vontade de dançar. Caminhou de novo até o
patamar de pedra. Sentia a cabeça maior do mundo.
Ninguém chegaria até ali, nin-guém!
Uma emanação quente subia dos telhados. O
corpo de Rita irradiava na penumbra. E exalava um silêncio de astro.
Abaixou-se para vê-la de flanco, com as
coxas, os ombros colados ao ladrilho, os pés, a cabeça...
Rita infinita, interminável... As duas
colinas dos seios empinados para o céu.
Em cima da cidade, na noite quente, a mulher
dormia profundamente. Coitadinha, dormia... Se quisesse mata-lá, ali estava ela, sem defesa. Ela é o mar numa só respiração
Levantou-se, sem fazer barulho, foi outra
vez espiar a cidade. Era o seu modo especial de ilimitar a presença de Rita.
Brilhando tanto, seu corpo podia ser visto lá de baixo como uma estrela nova.
Os outros saberiam? Mas não desejaria oferecê-la à cidade. Seria só dele aquela
noite.
Retirou as folhas de planta, ajoelhou-se, e
as foi colocando nos pontos capitais do corpo amado. Tomou distância.
Rita enfeitada!...Dormindo ou fingindo que
dormia... Mais poderosa dormindo que acordar.
Solene, o corpo de Rita! Esperaria a
madrugada? Como seria esse corpo à luz da madrugada?
Correu a olhá-la de perto. A mão viajou por
curvas e relevos. Com delicadeza para não desperta-lá. Ele se deitou sobre ela,
gemeu em cima, penetrou-a.
Como não acorda agora à pressão de outro
corpo? Ou estaria ela repetindo no abraço do momento o permanente e universal
de suas noite?
Ternura sentiu as correntes elétricas que a ligavam ao corpo do prédio,
à terra toda.
A vibração soprou, as folhas voaram para longe. Mais calmo, Ternura ouvia agora
bater o coração da mulher.
Vibração universal dentro do peito de Rita. As pontas dos seios, como
duas antenas.
Duas antenas...
Aplicou o ouvido. Mensagens, barulhos do mundo? Longo tempo ficou à
escuta. Chegavam vibrações indecifráveis, não sabia se do corpo dela ou do
fundo da Terra. Mas as ondas do Atlântico predominavam. Pois era quase sempre
oceano que o corpo de Rita captava.
-Rita acorda!
Morta não estava. Mas um sono profundo, profundo demais.
-Rita acorda... Rita, Rita!